Melhor idade (?)

Poderia ser cômico se não fosse trágico. É o que sempre penso diante das últimas atitudes de meu pai, de seus distantes 86 anos de idade. A degeneração do tempo, inexorável, transformou o garboso mineiro em um frágil senhor, alheio à realidade que o cerca. Eu e, penso, toda a família quedamos estupefatos, atônitos, surpreendidos pela dureza do fato.

Sempre que vejo pessoas idosas sinto um baque no peito e um indizível aperto na garganta. Medo? Sim, mas não do envelhecimento em si, da pele enrugada, dos olhos baços, dos passos trôpegos. Creio que seja mais uma surpresa, o eterno choque diante da decrepitude. 

Olho para os idosos, rostos encovados, olhos umedecidos, dedos artríticos, dentes artificiais, e imagino como ela teria sido vaidosa e impaciente, voluntariosa e "saideira"; como ele teria contrariado e criticado seus próprios pais, chamando-os de "caretas", ultrapassados. Como se sentiam o máximo ao chegar primeiro à porta do metrô, sentar-se nos bancos reservados e fingir que dormiam para não ceder lugar ao velho arquejante diante de si.

Quantas loucuras cometeram no frescor da juventude, quantos sonhos acalentaram... E agora ali se arrastavam, ouvindo xingamentos e recebendo buzinadas para apressarem o enervante passo vagaroso. Sendo ignorados pelos motoristas de ônibus, que, indubitavelmente, têm certeza de que jamais ficarão daquele jeito e não pensam nos pais - naquele mesmo estado -, simplesmente porque já estão mortos ou ficaram esquecidos em algum asilo ou casinha da periferia.

Ou porque não queremos nos ver naquele futuro lento e enrugado.

Olho, com pesar, meu pai falando com o nada, dizendo coisas que jamais pensei sairiam daquela boca severa; os olhos agateados perdidos, desconhecendo os que o cercam, reconhecendo os que já partiram há muito.

Mudo de direção e dou com minha mãe, miudinha, incrédula diante da nova figura em que se transformou aquele que a desposou décadas antes. Firme. Preocupada. Mantendo, ainda, a integridade física e mental, apesar das ites e oses que insistem em se instalar sem perguntar se há espaço.

Sentindo um desejo imenso de fingir que tudo não passa de um pesadelo, aposso-me do poema de Cecília Meireles que sussurra:


Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

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